"VÃO À MERDA!
Lembram-se quando eram meus colegas de escola?
Quando vos deixava copiar nos testes de português ou quando vos escrevia as cartas no dia de São Valentim para as vossas namoradas por ter uma letra mais bonita que a vossa?
Lembram-se quando me pediram para vos assinar o dossier, naquela altura em que comecei a trabalhar em moda e vocês achavam que eu era “fixe”?
Eu lembro-me. Lembro-me tão bem…
Os tempos agora são outros; nós já não somos colegas e a minha letra “redondinha” já não vos serve de nada.
Agora sou o “Máriozinho” ou o “Márão” por quem vocês gritam na rua em tom jocoso, como se eu tivesse de envergonhar-me do nome que tenho.
A acompanhar os vossos gritos está sempre uma coreografia aberrante, que muito honestamente não faz jus à minha pessoa – sou tão melhor que isso, meus queridos.
Toda a gente na rua tem de saber que eu sou esse tal “Gay” que vocês conhecem.
Como é óbvio, a sociedade agradece-vos o serviço público de alerta, não vá o prazer de levar no cu ser contagioso (e até aí vocês se enganam!).
Eu olho para baixo.
Não por vergonha de mim – já lá vai o tempo! Mas por vergonha de vocês.
Gritar o nome de alguém está associado a devoção ou fanatismo; querem dizer-me alguma coisa?
Não me fechei em armário nenhum. Mas agora lembro-me de que fui fechado numa casa de banho a cheirar a mijo por todo o lado durante duas horas por suspeitarem, e sublinho, SUSPEITAREM, que era gay.
Foi o último dia em que me envergonhei de ser quem sou, ou o que sou.
Quando me perguntaram, no dia seguinte, como é que eu estava e como é que tinha sido, eu sorri. Sorri tanto!
Estava melhor do que nunca – tal como estou hoje.
Vocês os dois que gritam o meu nome não percebem porquê; nasceram com o cu virado para a lua, com o “dom” de ficar com tesão quando vêem uma “gaja boa” de minissaia.
Eu fui fechado num wc. Eu “levei nos cornos” por ter trocado olhares com um tipo à saída de uma discoteca – tudo porque ele me confundiu com uma rapariga (como se eu pudesse adivinhar o que lhe ia na cabeça!).
Eu fui o maricas. O gay. O paneleiro. A bicha.
Meus “queridos”, acham mesmo que conseguiríamos falar de igual para igual?
Continuem a gritar o meu nome na rua, mas agora depois de eu ter escrito isto, façam-no com uma certeza: eu jamais irei gritar o vosso.
E com a minha letra bonita vos escrevo um ainda mais bonito – “Vão à merda!”."