domingo, 29 de março de 2015

(Quando os sentidos viajam sem o corpo, é Saudade)

Dizem que olhar não morde. Que o olhar não morde. 
E não morde. Não morde mesmo. 
Mas arranca pedaços. Se arranca!
Leva pessoas, aos pedaços, pedaço por pedaço, 
deixando corpos que passam a ser só corpos – sem os sentidos.
O teu olhar arranca-me, aos pedaços, pedaço por pedaço,
deixando-me assim: só corpo 
– sem o tacto que quer a tua pele,
sem o olfacto que vai para junto do teu perfume,
sem a visão que vai para a frente dos teus olhos,
sem a audição que vai para junto dos teus lábios
e sem o paladar que vai para dentro da tua boca.
O teu olhar não morde. Mas arranca pedaços de mim, um por um.
O teu olhar, aquele teu último olhar, o que me deste quando vim,
ou muito me engano, ou vai-me levar de volta, por inteiro 
– e só falta o corpo – e já falta pouco, 
mas é um pouco que é muito. Quanto mais o tempo passa
mais a falta do teu olhar me arranca daqui. Se arranca! 
[Faltas-me tanto que, pedaço a pedaço, me desintegro,
acreditando que o olhar que me arranca daqui, 
pedaço por pedaço,
é o que me refaz, quando eu voltar.]
(Sérgio Lizardo)




sexta-feira, 27 de março de 2015

Who am I?

Quem sou eu? Há dias em que já não sei bem. Dias em que até a mim me baralho. Dias em que me confundo no que fui e no que, hoje, sou. Quem sou? Sou eu. Carregada de falhas e imperfeições. De atitudes irreflectidas e nem sempre correctas. De respostas prontas e não pensadas. Sou quem ama. Sou quem chora. Sou quem reclama e sorri. Sou quem sente e quem vive. Quem não se vence pelo medo. Quem erra e acerta.O que sou eu? Sou eu. Nada mais que isso. Única e igual a tantos outros. Sou um furacão desenfreado. Sou um pôr-do-sol em pausa. Sou uma poça de virtudes e um mar de defeitos. Sou o sonho cor-de-rosa e o pesadelo enegrecido. Mas sou eu. Sempre eu.E quem te sou eu? E o que te sou eu? Sabes?

(Rita Leston)


quarta-feira, 25 de março de 2015

Facto!

"Que porcaria de textos são estes?", questionou na gravação a voz de Axe! Seth.

"Eu pedi-vos relatórios a enumerar os custos e benefícios da moeda única e vocês... vocês entregam-me esta porcaria?"

"Mas, juiz Seth, estas são as conclusões a que chegámos", respondeu um dos economistas. "Falámos com muita gente e consultámos todos os estudos sobre uniões monetárias e existe um consenso quanto a essa questão: sem união política, a moeda única europeia não vai funcionar! Não há volta a dar ao problema. uma união monetária beneficia sempre o centro e prejudica a periferia. A união monetária que criou o franco em França por exemplo, beneficiou Paris e prejudicou a Bretanha e o Midi. Em Espanha a peseta beneficiou Madrid e penalizou a Galiza e a Andaluzia.

Sempre que há uma união monetária, segue-se uma transferência de recursos da periferia para o centro. Isto implica que a união monetária só é viável se o centro depois estiver disposto a fazer transferências financeiras para a periferia, de modo a compensá-la pelas suas perdas. Mas sem união política este passo não será dado e as periferias desintegrar-se-ão." "Está a dizer que os países periféricos não aguentam uma moeda única europeia?"

"Aguentam se houver união política que permita as transferências compensatórias", respondeu o economista. "Caso contrário, não aguentam. E há outra coisa: os países periféricos terão de fazer reformas urgentes no sector labora! para suportarem o impacto da competição internacional. Não se esqueça que eles vão entrar numa moeda forte e não a poderão desvalorizar para reequilibrar as suas contas externas. Sem reformas, vão acabar por ser esmagados pelas importações. Além do mais é preciso que no espaço da moeda única haja mobilidade labora!, flexibilidade de salários e de preços e integração orçamental, coisas que não existem agora e não existirão porque não se vislumbram quaisquer planos para as criar."

"Então qual é a vossa conclusão final?"

"A moeda única, tal como está a ser concebida, não se vai aguentar. À primeira crise poderá desmoronar-se como um baralho de cartas. E se o euro não sofrer um colapso rápido, os países da moeda única irão saltitar de crise em crise numa agonia sem fim até que a união se desfaça."

"Oiçam, isto não pode ser assim", disse o comissário europeu por fim, a decisão tornada. "Refaçam-me estes relatórios e mostrem só as vantagens da criação da moeda única. Parece-me que..."

"Mas, senhor juiz, isso não pode ser feito dessa maneira!", protestou um segundo economista. "Ternos o dever de alertar os decisores e a opinião pública para os grandes perigos da arquitectura que está a ser pensada para o euro. Se escrevermos um relatório nos moldes que nos pede..."

"Silêncio!", cortou Axel Seth num tom agreste. "A decisão está tomada. O projecto da moeda única europeia irá avançar, custe o que custar! Quero um relatório que só mostre as vantagens da união monetária!"

"E o que acontecerá depois, quando o euro entrar em colapso?"

O comissário europeu encolheu os ombros.

"Quando isso acontecer, meus caros, provavelmente já cá não estaremos", sentenciou com um sorriso despreocupado. "Quem estiver nessa altura no poder que se desenvencilhe! E os contribuintes que paguem, claro!"

(José Rodrigues dos Santos in – A Mão do Diabo)


segunda-feira, 23 de março de 2015

O Monstro Difuso

Um balanço de toda a Humanidade até aos dias de hoje, que este poeta, (que sem que eu tivesse conhecimento que o fosse) passou hoje pelo meu trabalho para me dar a conhecer este poema, já com 11 anos,  por causa de uma conversa que tínhamos tido…nem tão pouco sabia que este senhor escrevia e quando o li tive curiosidade em pesquisar sobre o autor…e fiquei simplesmente surpreendida!
Saber mais sobre o autor

O Monstro Difuso

Nascido algures na bruma de outras eras
Diferente eu sou de todas as quimera
De todos os dragões alados do Levante
De olhos sanguíneos e boca flamejante
De todas as serpentes astutas e infernais
De lendas bolorentas e ancestrais
Da Hidra de Lerna de cabeças várias
De todos os mostrengos e todas alimárias
Não sou delírio vão, nem grito de profetas
Nem génio de pintor, nem sonho de poetas
Mas sou realidade... e impossível
Será que exista outra mais terrível
Meus braços, invisíveis e diferentes
De todos os monstros e todos os viventes
São os vossos braços... e vos digo mais
Ando com as pernas com que vós andais
Depois que percorri os séculos um a um
Cheguei enfim aqui... a lado nenhum
Tive pais, padrinhos e parentes
Sou filho de sábios, génios e valentes
Usei chapéu alto e usei gravata
Fui socialista e fui fascista, fui padre e fui pirata
Esclavagista e liberal, anarquista e democrata
Meu nome não importa, minha missão é esta
Sou do mundo a derradeira besta
A Lei morreu, o Ordem se esfumou
E a Nova Ordem é a desordem que eu sou
O Absurdo total, o Crime do mundo
O pântano e a voragem onde me afundo
A miragem doirada de toda a podridão
O Tartufo supremo da Civilização
A tragédia que avança... o lamaçal
A flor sublime da estrumeira global
Em mim paz e guerra são iguais
Dar-vos-ei a que achar que vale mais
E caso valha mais a gente morta
Que morra quem morrer que eu não me importa
Arrancarei olhos, rins e corações
A gente sadia em troca de milhões
E em troca de milhões farei também
A Justiça e a Lei que me convém
Lançarei no lixo o pão que não se come
Enquanto for matando o mundo à fome
A corrupção será sempre o meu estandarte
A minha vida, a minha força, a minha arte
Depois que reduzi o mundo à escravatura
Vos grito a liberdade, o progresso e a fartura
Porque também a própria linguagem
Serve os meus interesses e traz a minha imagem
Mas tudo o que eu prometo é canto de sereias
Porque só a guerra me percorre as veias
Esse monstro que devora os inocentes
São as minhas garras, a força dos meus dentes
É o desespero de um monstro condenado
A morrer matando quem não é culpado
Farei prostitutas e drogados aos milhões
Porque eu próprio sou a droga das nações
Nações que no fundo não passam de utopia
Porque não há fronteiras na minha hegemonia
Sou eu o desespero que cada um transporta
A vida desiludida que já nasce morta
Sou eu o Terrorismo, a ultima invenção
Dos génios do Mercado p`ra minha salvação
Sem terrorismo, anti-terrorismo, fome e guerra
Não poderei eu, um minuto mais, habitar a Terra
Não sou americano, nem árabe nem judeu
Não sou homem-bomba, nem crente, nem ateu
Sou apenas eu, e ninguém mais forte
Poderá deter-me a não ser a morte
Até na paz breve que a vida vos consente
Farei eu morrer milhões de gente
Porque eu sou a morte e não sou a vida
Sou o aborto, o anti-aborto, a pedofilia e a sida
O desemprego e a falência, a insegurança e as prisões
Os Tribunais, o Direito, a Justiça e os Ladrões
E sou ainda na gíria universal
O Iluminismo, a Civilização e a Moral
Sou mil polícias a cada esquina da cidade
Obedecendo cegos à minha vontade
Sou a Democracia e a Modernidade
Sou o dinheiro e o Mercado. Sou o Valor
Não tenho pátria, nem raça, nem cor
Todos os deuses antigos e modernos
Todos os paraísos e todos os infernos
Pobres e ricos, palhaços, presidentes e reis
Têm um valor... e esse Valor são as minhas leis
Nada tenho de humano, sou cego, surdo e mudo
Indiferente à dor, à guerra, à morte, a tudo
Sou o Valor global, real e soberano
Que transforma em besta cada ser humano.

(Leonel Santos - Março de 2004)
 



domingo, 22 de março de 2015

Podemos achar que já amámos alguém. Mas depois chega quem nos faz entender que afinal não era amor. Que afinal era assim um gostar quentinho, mas não era amor. Que era um sítio confortável, mas não era amor. Era um estou-aqui-mas-podia-estar-ali. Era assim qualquer coisa a que nos habituámos. Era.

Depois vem quem nos tira o chão. Quem nos inquieta a mente. Quem nos troca as respostas que tínhamos para a vida. Quem nos faz olhar com outros olhos. Quem nos faz descobrir cheiros e ansiedades. Quem nos faz desinquietar a vida. Descobrir o vazio da falta do outro. Quem nos ensina a urgência e a saudade.
Isso é amor. Quente. Avassalador. Eterno. Não traduzível em palavras. 

quinta-feira, 19 de março de 2015

Ou eu não sei ler português...


…ou sou uma completa ignorante nestas coisas!

"[A dívida pública] está, de facto, ainda muito elevada. Mas hoje, quando olhamos para a dívida pública, está lá tudo e está também o conforto de saber que, além disso, temos cofres cheios para poder dizer tranquilamente que se alguma coisa acontecer à nossa volta que perturbe o funcionamento do mercado, nós podemos estar tranquilamente durante um período prolongado sem precisar de ir ao mercado, satisfazendo todos os nossos compromissos", garantiu Maria Luís Albuquerque.Aqui


Então se temos os cofre cheios porque é que a divida publica continua a subir e já vai acima dos 125% do PIB?!

Mas sendo ano de eleições…e sendo o único objetivo de todos os políticos ganharem votos…





terça-feira, 17 de março de 2015

O amor à servidão!

Sobre o livro a que o autor deste texto se refere, não me pronuncio-o porque ainda não o li (mas vou ler), no entanto o texto chama-nos à atenção para uma realidade que vivemos neste preciso momento, O AMOR QUE "TEMOS" À SERVIDÃO!
Embora, a maioria ainda ache que seja ficção....

....e, tb eu gostaria de ficar na ignorância!



"Ler o “Admirável mundo novo”…

…é justificar o porquê de eu gostar de ler ficção cientifica.
A ficção cientifica, para mim, nada tem a ver com viagens interestelares, homenzinhos verdes e outras coisas afins.
Para mim havia quatro livros de referência:
1984 – George Orwell
Um estranho numa terra estranha – Robert Heinlein
A torre de vidro – Robert Silverberg
Nemesis – Isaak Asimov

E agora junto-lhes mais este.

A Ficção Cientifica explora problemas sociais e encaixa-os num cenário onde podem ser devidamente exageradas. Admirável mundo novo põe em choque o animal humano com a descaracterização da sociedade.
Mas, mais admirável é o facto de essa descaracterização que foi postulada por Huxley se estar a dar agora, neste momento. Aquilo que ele descreveu em 1932 (quase há 100 anos atrás) é, basicamente o mundo em que vivemos agora, mesclado de forma quase imperceptível com aquele que foi postulado por Orwell.
Por um lado temos uma sociedade controlada e vigiada, cada vez mais. Sempre em nome de uma falsa segurança que, na verdade, não existe.
Os nossos telemóveis têm GPS, os nossos passes registam por onde andamos, os nossos cartões de débito e credito registam as nossas transacções, os motores de busca da Internet registam aquilo que vemos e as nossas preferências. Somos controlados a cada passo que damos.
Por outro lado, baixam-se cada vez mais os standards da educação, a exigência do ensino, e bombardeia-se a televisão com programas acéfalos de entretenimento.
Até as artes parecem reflectir isto e a literatura, a música, as artes plásticas são cada vez mais “leves” e desprovidas de conteúdo.

Cada vez mais olho à minha volta e me pergunto se não estaremos neste momento numa encruzilhada em que temos de escolher o que realmente queremos para nós enquanto sociedade. Sinto que vivemos numa ditadura de imbecilidade imposta, mais, procurada.
Os políticos são verbos de encher, pessoas que afirmam alto e bom som “olhem para o que eu digo e não para o que eu faço” com discursos carregados de hipocrisia e sem significância, cheios daquilo que os outros querem ouvir e desprovidos de convicções.
A educação torna-se uma anedota quando todos os alunos têm de passar para não se ficar mal nas estatísticas, onde o grau de exigência se torna anedótico porque há meia dúzia numa turma que não sabe nem quer saber e que, muitas vezes, estão na escola somente porque se não estiverem os pais deixam de receber subsídios.
Vivemos na ditadura das minorias, porque são aqueles que o sistema não consegue conformar. A maioria é, afinal, a carneirada que faz o que deve fazer quando deve fazer.

Mas, apesar de todos os sinais, o mundo não vai mudar. Pertence às corporações, pertence ao grande capital, deixou de pertencer às pessoas. As pessoas deixaram de pertencer às pessoas.

Vivemos num mundo escravizado em que nos submetemos à escravidão por vontade própria…
…e o prior é quando nos apercebemos disso!

A ignorância é felicidade…

…e eu dava tudo para ficar na ignorância!"


quinta-feira, 12 de março de 2015

Ideias para comédias...


(por Ricardo Araújo Pereira)

Após ter votado a lei de bases da segurança social, um deputado diz desconhecer as suas obrigações legais para com a segurança social. 

Após ter passado anos a dar aulas de catequese, um catequista diz ter ficado com a ideia de que a obediência aos mandamentos era opcional. 

Um cidadão passa cinco anos sem descontar para a segurança social. Depois chega a primeiro-ministro e manifesta grande preocupação com a sustentabilidade financeira da segurança social. 

Um cidadão passa cinco anos sem tomar banho. Depois fica incomodado quando partilha o elevador com um vizinho que acabou de chegar do ginásio. 

Um primeiro-ministro admite que cometeu irregularidades mas justifica-se dizendo que são irregularidades menores do que aquelas que o primeiro-ministro anterior é acusado de ter cometido. 

Um aluno falha a entrega dos trabalhos de casa mas justifica-se dizendo que não procedeu tão mal como um aluno que, no ano anterior, tinha roubado a lancheira a outro menino. A professora lembra-lhe que o facto de outros terem cometido infracções maiores não o isenta de uma nota negativa. O aluno, mesmo sendo pequenino, compreende o argumento da professora. 

Um primeiro-ministro apercebe-se, em 2012, que deve dinheiro ao Estado, mas acha que é mais oportuno fazer o pagamento apenas no fim do seu mandato, para não criar confusões. Ao mesmo tempo, o seu governo recorre a penhoras automáticas para executar mais rapidamente as dívidas fiscais. 

Um verdugo apercebe-se, em 2012, que cometeu um delito parecido com os que são cometidos pelas pessoas que castiga com chibatadas. Passa a dar chibatadas com mais força, para transmitir a ideia de que a sua adesão à prática delituosa não significa que a aprove. 

Um primeiro-ministro decide regularizar imediatamente a sua situação fiscal depois de perceber que o jornal Público descobriu aquilo que ele já sabe desde 2012. ?O ministro da segurança social considera a postura do primeiro-ministro muito digna. 

Um criminoso decide confessar um crime cometido dez anos antes, e só depois de terem surgido provas absolutamente claras e indesmentíveis de que o cometeu. O seu advogado considera a postura do cliente muito digna. 

Milhares de cidadãos falham o pagamento dos impostos na data estipulada e justificam-se dizendo que o jornal Público não teve a gentileza de os incentivar a saldar a dívida. 

Um cidadão acumula dívidas e não recebe a respectiva notificação. O sistema que não o notifica durante cinco anos é o mesmo que não deixa passar cinco dias sem notificar os outros cidadãos devedores. O ministro da segurança social diz que o primeiro-ministro foi vítima de um erro do sistema. 

Um cidadão ganha a lotaria. Os seus amigos dizem que foi vítima de um acaso da sorte 

Tirado daqui



segunda-feira, 9 de março de 2015

Porque neste blog...

...também se abordam coisas sérias!
 Partilho este artigo de opinião de alguém  que eu gostaria de ver um dia a tomar as rédeas deste pais!


“Vários órgãos de Comunicação Social noticiaram que a EDP vai distribuir 1,040 mil milhões de euros de lucros. Se esta ainda fosse uma empresa pública, esses lucros constituiriam receita no Orçamento do Estado. Tomando como base comparativa os gastos do Estado em rubricas importantes no ano de 2015, conclui-se que é um montante equivalente a mais de metade da despesa da Segurança Social em subsídio de desemprego, a cinco vezes mais que o rendimento social de inserção ou, noutra ótica, a mais de um quarto do investimento público. Se a EDP ainda fosse uma empresa pública, Portugal poderia não ser um dos países da Europa com o preço da energia mais caro. Se a EDP fosse uma empresa pública não existiriam as tais rendas excessivas de que todos falam. Para onde vai o milhão e quarenta mil milhões? Quanto desaguará em investimento produtivo? Quantos empregos irá criar?

Segundo o jornal "i", desde 2010 até 2014 os gestores e acionistas da PT levaram para casa 3,5 mil milhões de euros. Nesse mesmo período as remunerações dos trabalhadores da empresa diminuíram 5,3%, a remuneração fixa e variável dos administradores aumentou 19%. Se ainda fosse uma empresa pública, grande parte destes 3,5 mil milhões de euros poderia ter sido reinvestida na empresa, desenvolvendo-a e criando emprego e também podia ter ajudado a reforçar os orçamentos da saúde, da educação, ou da proteção social. Em vez disso, para onde foram os 3,5 mil milhões de euros? Esse valor é pouco menos de metade do valor pelo qual foi vendida a PT.

Face a estes números astronómicos ocorre a pergunta: como é possível? Como é possível remunerar capitais de forma tão choruda, num país onde centenas de milhares de pessoas estão a enfrentar carências violentas? Acontece porque a "legalidade" instituída para que tudo isto seja possível deixa bem longe a moral e a ética, porque nos conselhos de administração e assembleias-gerais destas empresas o que conta, como critério de todas as decisões, é a valorização, o mais elevada e rápida possível, dos detentores do capital. As decisões que conduzem a estas imoralidades são privadas, mas os seus efeitos atingem a vida de cada cidadão e comprometem o nosso destino coletivo.

Este é o inevitável resultado de opções estratégicas do capitalismo neoliberal que nos sufoca e que, ao quebrarem todas as barreiras e limites, se transformou num sistema económico, não de produção, mas de predação. Entretanto, a entrega de milhões e milhões aos grandes detentores do capital não se fica por aqui. As práticas predatórias estão nos esquemas das PPP, nos negócios das swaps que no último ano terão acrescentado mais de 430 milhões de euros de prejuízos, nos saques "legais" que o sistema bancário, especialista na fuga ao Fisco, consegue fazer.

Num Mundo em que o capital é totalmente livre de se deslocar, os detentores do poder, para o seduzirem, estão sempre prontos a oferecer-lhe uma remuneração maior do que a concorrência. Sempre maior, nem que para isso seja preciso comprimir injustamente outras remunerações e restringir liberdades e direitos.

Neste Mundo implacável, sem ética, ocorre perguntar: o que fazer? Talvez pensar em limitar a liberdade desses capitais sem terra, antes de limitar as liberdades e os direitos das pessoas. Talvez efetivar o direito a salários e pensões dignas. Talvez trazer de novo à agenda a taxação sobre as transações financeiras. Talvez fazer os capitais pagar portagem nas suas viagens, em vez de as cobrar tão excessivas nas scut, nos impostos de trabalhadores e pensionistas, nas faturas de energia, nas contas do telemóvel e do telefone. Talvez pensar em acabar com privatizações sem sentido como a da TAP, e, considerar mesmo a sério, a possibilidade de devolver à esfera pública posições determinantes na banca e algumas grandes empresas que hoje são privadas.

Uma economia onde o especulativo aniquila o produtivo, onde o dinheiro dos poderosos vale mais do que os bens e serviços necessários a uma vida digna para o conjunto dos cidadãos e em que a ética definha é uma economia capaz de matar por mais um ponto percentual de taxa de lucro."
(Carvalho da Silva- in JN Artigo de Opinião)




terça-feira, 3 de março de 2015